quarta-feira, outubro 01, 2003
Lama
Estagiária, ganhando uma miséria, um calor miserável e cheia de cólicas - daquelas mesmo, que muitas mulheres costumam ter mensalmente. Mas o chefe ignora completamente tudo isso e logo de manhã, quando você chega ao trabalho, faz a proposta indecente: "Quer ir até a Região dos Lagos ver um problema numa rodovia?". Na verdade você não quer ir. Mas também não pode recusar: "é uma oportunidade e tanto para você, menina!". Aham, sei, sei. Então eu vou, fazer o quê? O carro tá cheio, eu sou a única mulher entre os operários - que me olham com um certo estranhamento, com toda razão - e para melhorar tudo não tem ar condicionado. Depois de algumas horas o veículo para no acostamento: de um lado existe um lago, do outro, um barranco. É isso aí: você tem que descer o barranco enquanto escuta as explicações: "Ah, o problema é que esse lago aí não existia. Era um barranco. A água escoava para o outro lado através de um túnel que passa por debaixo da rodovia. Só que choveu muito, o túnel está entupido com lama e nós estamos tentando resolver." Muito tranquilizador. Chego lá embaixo com certa dificuldade e vejo a cena maravilhosa: lama pra tudo quanto é lado. Talvez o termo certo nem fosse lama - parecia mesmo montes e montes de argila, daquelas de se moldar. Já tinham começado a desentupir - e para tanto utilizavam uma parafernália, um jato d'água de alta pressão que, pelo menos à primeira vista, parecia só estar piorando a situação. Olhando com mais cuidado dava para ver o estrago, ops, a solução: o túnel reaparecendo, se transformando num buraco de tatu gigantesco sob o morro, água jorrando para tudo quanto é lado. Eu já estava até conformada em ficar ali, ao Sol, olhando tudo durante a tarde inteira. Então o chefe faz o convite, o convite que eu estava morrendo de medo de ouvir: "E aí, Marcele? Vamos entrar no túnel?". Aquele túnel, aquele túnel que tem na entrada uns oitenta centímetros de diâmetro, mais ou menos. E quando você esboça fazer uma recusa, ele diz novamente: "claro que quer, né? veio aqui pra isso!". As instruções e advertências: tirar o par de tênis e coloca as botas ("olhem só, as meias dela que bonitinhas, tem florzinhas" você escuta alguém que não te conhece zombar de você, com mais pessoas gargalhando, ao fundo); não se apavorar lá dentro; e, finalmente, o pior de tudo: "ó, já que nós estamos escavando até um lago, existe o perigo da parede estourar e a água invadir o túnel. Caso isso aconteça, não tenta nadar, não: prende a respiração e deixa a água te levar." A lama me levar, né? Aham. Eu entro, mas desisto no meio do caminho, para escutar mais zombações: "Ah. Você não conseguiu! hahahahahaha". E isso tudo, vale lembrar, com cólicas. Muitas cólicas. Ainda tem gente que estranha eu não ter seguido nessa carreira. Por que será?
Estagiária, ganhando uma miséria, um calor miserável e cheia de cólicas - daquelas mesmo, que muitas mulheres costumam ter mensalmente. Mas o chefe ignora completamente tudo isso e logo de manhã, quando você chega ao trabalho, faz a proposta indecente: "Quer ir até a Região dos Lagos ver um problema numa rodovia?". Na verdade você não quer ir. Mas também não pode recusar: "é uma oportunidade e tanto para você, menina!". Aham, sei, sei. Então eu vou, fazer o quê? O carro tá cheio, eu sou a única mulher entre os operários - que me olham com um certo estranhamento, com toda razão - e para melhorar tudo não tem ar condicionado. Depois de algumas horas o veículo para no acostamento: de um lado existe um lago, do outro, um barranco. É isso aí: você tem que descer o barranco enquanto escuta as explicações: "Ah, o problema é que esse lago aí não existia. Era um barranco. A água escoava para o outro lado através de um túnel que passa por debaixo da rodovia. Só que choveu muito, o túnel está entupido com lama e nós estamos tentando resolver." Muito tranquilizador. Chego lá embaixo com certa dificuldade e vejo a cena maravilhosa: lama pra tudo quanto é lado. Talvez o termo certo nem fosse lama - parecia mesmo montes e montes de argila, daquelas de se moldar. Já tinham começado a desentupir - e para tanto utilizavam uma parafernália, um jato d'água de alta pressão que, pelo menos à primeira vista, parecia só estar piorando a situação. Olhando com mais cuidado dava para ver o estrago, ops, a solução: o túnel reaparecendo, se transformando num buraco de tatu gigantesco sob o morro, água jorrando para tudo quanto é lado. Eu já estava até conformada em ficar ali, ao Sol, olhando tudo durante a tarde inteira. Então o chefe faz o convite, o convite que eu estava morrendo de medo de ouvir: "E aí, Marcele? Vamos entrar no túnel?". Aquele túnel, aquele túnel que tem na entrada uns oitenta centímetros de diâmetro, mais ou menos. E quando você esboça fazer uma recusa, ele diz novamente: "claro que quer, né? veio aqui pra isso!". As instruções e advertências: tirar o par de tênis e coloca as botas ("olhem só, as meias dela que bonitinhas, tem florzinhas" você escuta alguém que não te conhece zombar de você, com mais pessoas gargalhando, ao fundo); não se apavorar lá dentro; e, finalmente, o pior de tudo: "ó, já que nós estamos escavando até um lago, existe o perigo da parede estourar e a água invadir o túnel. Caso isso aconteça, não tenta nadar, não: prende a respiração e deixa a água te levar." A lama me levar, né? Aham. Eu entro, mas desisto no meio do caminho, para escutar mais zombações: "Ah. Você não conseguiu! hahahahahaha". E isso tudo, vale lembrar, com cólicas. Muitas cólicas. Ainda tem gente que estranha eu não ter seguido nessa carreira. Por que será?
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